BURUNTUMA, Guiné-Bissau - "Em todos os meus quatro partos tive uma hemorragia", disse Djenabu Sano, de 39 anos, reflectindo sobre as consequências da mutilação genital feminina no nascimento dos seus filhos.
"Não quero que aquilo por que passei aconteça a outras mulheres e raparigas. Isto fez-me refletir sobre a necessidade de sensibilizar outras pessoas e salvar vidas."
Em Buruntuma, na região de Gabu, no leste da Guiné-Bissau, a Sra. Sano está a liderar os esforços da sua comunidade para eliminar a mutilação genital feminina. Gabu tem uma das taxas mais elevadas do país – cerca de 96 por cento da população feminina foi sujeita a esta prática – por isso a Sra. Sano fala com os vizinhos e os líderes religiosos e tradicionais para os sensibilizar para os perigos da prática.
"Tento compreender as percepções das pessoas, ao mesmo tempo que assinalo as consequências nefastas que teve na minha própria vida", explicou ao UNFPA, a agência das Nações Unidas para a saúde sexual e reprodutiva.
A mutilação genital feminina consiste em lesionar ou remover os órgãos genitais femininos por razões não médicas. Perpetuada e enraizada em normas de género preconceituosas, pode levar a complicações de saúde graves, incluindo infecções graves, dores crónicas, depressão, infertilidade e morte. É reconhecida internacionalmente como uma violação dos direitos humanos.
Embora criminalizado na Guiné-Bissau desde 2018, continua a ser praticado em muitas comunidades, principalmente por razões culturais e religiosas frequentemente enraizadas no estatuto inferior das mulheres e raparigas, como a ideia de que os seus corpos precisam de ser " consertados" para poderem casar.
Agentes de mudança para acabar com a mutilação genital feminina
A Sra. Sano dá aulas de alfabetização e gere o seu próprio negócio, mas diz que é com prazer que arranja tempo para o seu terceiro emprego de defensora pelo fim da mutilação genital feminina - um papel que desempenha há 10 anos. Também dá formação a colegas defensores em 20 outras comunidades.
A sua abordagem não é a de repreender. É ouvir. Organiza diálogos comunitários apoiados pelo programa conjunto do UNFPA e UNICEF para a eliminação da mutilação genital feminina, dando especial atenção aos anciãos religiosos e tribais, que são muitas vezes a chave para conquistar outros membros da comunidade.
"Quando organizamos um diálogo comunitário, também precisamos de ter em consideração que os agentes de poder invisíveis podem estar a ouvir e a reportar aos líderes religiosos e tradicionais, que depois decidem sobre o nível de conformidade ou de resistência", explicou a Sra. Sano.
Há muitos desafios para este trabalho, especialmente durante a estação chuvosa, quando é difícil viajar, e durante o período de colheita do caju, quando as pessoas têm menos tempo para se dedicar a outras actividades. Mas a advocacia está a fazer a diferença.
Os líderes religiosos e tradicionais da Guiné-Bissau têm-se destacado como campeões, informando e preparando as suas comunidades para abandonarem a mutilação genital feminina. Eles e outros defensores, como a Sra. Sano, estão a ensinar os jovens a abraçar a mudança como futuros pais. E a questão é cada vez mais reconhecida como não sendo apenas uma questão de danos físicos, mas também uma questão de desigualdade de género.
No ano passado, na Guiné-Bissau, o UNFPA lançou quatro clubes de homens e rapazes para tentar promover uma mudança de comportamento que aborde os estereótipos e preconceitos de género. Mais de 140 jovens também foram formados em aspectos legais para pôr fim à mutilação genital feminina. E o estigma em torno das conversas sobre o corpo das mulheres está a desaparecer.
"Hoje em dia, os líderes religiosos e tradicionais falam abertamente sobre a mutilação genital feminina, que antes era tabu", explicou Fatumata Djalo durante um diálogo no sector de Buruntuma. "No passado, as mulheres nem sequer participavam em tais reuniões na presença dos seus maridos."
Os líderes locais mostram o caminho
Mais de 200 milhões de mulheres e raparigas que vivem atualmente foram submetidas a mutilação genital feminina. Este ano, prevê-se que o número de pessoas sujeitas a esta prática aumente uma vez que os conflitos, as alterações climáticas, o aumento da pobreza e da desigualdade dificultam os esforços para a sua eliminação.
Uma vez que mais de metade de todas as mulheres e raparigas entre os 15 e os 19 anos na Guiné-Bissau foram vítimas de mutilação genital feminina, o UNFPA está a reforçar a capacidade dos intervenientes locais para melhor advogarem a todos os níveis, desde a comunidade aos decisores.
Falando do impacto potencialmente fatal que a prática teve sobre ela, a Sra. Sano disse: "Tenho sorte de estar viva - algumas podem não ter o mesmo destino."